19/07/2005

A Salvação da Democracia

Perante o descrédito das instituições democráticas que perdura nos dias que correm, o alheamento e o afastamento dos eleitores face à classe política que os dirige, proponho a seguinte solução: fazer do cenário político nacional uma Quinta das Celebridades para políticos.
Imaginem os líderes dos partidos, todos alegres, malandros, sorrateiros, forçados a conviver durante um período de tempo, encerrados numa quinta qualquer no Ribatejo (ou até noutra província qualquer do país), a darem provas do seu desempenho ao eleitorado televisivo que votariam em quem gostavam menos (sim, porque todos adoramos os nossos políticos-celebridades) para sair; e o menos votado ganharia o cargo de capataz de Portugal até à votação seguinte.
Seria de facto brilhante... Quem não gostaria de assistir às capacidades do Eng. Sócrates a cavar a fossa doméstica da Quinta, ou o rigor do Jerónimo de Sousa em não deixar as ovelhas tresmalhar; veríamos com agrado o brio do Marques Mendes em deixar a casa bem arrumada e a divertida indecisão do Ribeiro e Castro entre reconstruir o galinheiro ou ficar no quarto a descansar; ou mesmo deliciados com as cavalgadas radicais do Louça com a égua da Quinta.
E era programa para dar e durar.
A Júlia Pinheiro periodicamente mostrava um resumo das melhores cenas diárias com ajuda de uma luva falante: num dia, as activas discussões entre o Sócrates e o Marques Mendes; noutro dia, as ousadas propostas do Louça levarem às gargalhadas os outros concorrentes; o Ribeiro e Castro a fazer queixinhas ao Marques Mendes, no final de um dia, enquanto o Jerónimo de Sousa explodia de raiva perante a preguiça dos outros; and so on and so on...
O outro tipo, o Fábio Bernardo qualquer-coisa, podia andar pelas ruas a fazer questionários representativos da opinião do eleitorado acerca do desempenho dos concorrentes: numa paragem de autocarro na Baixa da Banheira; numa roulote de comes e bebes na Ota; num salão de jogos da Cedofeita, etc., etc..
Semanalmente, numa espécie de Festa das Vindimas televisiva, a Júlia Pinheiro podia falar com as respectivas bancadas parlamentares dos participantes acerca do desempenho dos seus líderes. Opiniões que seriam por certo isentas, animadoras (quando o dito líder estivesse a ouvir), enaltecendo a performance positiva do mesmo, desprestigiando os adversários, criando expectativas para os feitos futuros. Sentados atrás destes, estariam as Juventudes partidárias a rugirem no final de cada parágrafo dito pelo representante partidário.
E caso houvesse preocupação com o término do programa (que será completamente infundada), existe sempre a possibilidade de fazer entrar na Quinta, a meio do programa, novos participantes, igualmente qualificados, como o Garcia Pereira, o Manuel Monteiro, a Carmelinda Pereira, dando ao processo decisório ainda mais representatividade.
Apesar de audaciosa e talvez perturbadora, a ideia tem as suas vantagens. Notem o seguinte:
É economicamente viável, uma vez que o processo eleitoral seria auto-suficiente sendo pago pelo próprio eleitor no seu acto eleitoral de votar contactando para um número de chamada de valor acrescentado. Para além disso, poder-se-ia gerar mais-valias com a publicidade nos interregnos do programa, cedendo o espaço a empresas de interesse público como a Teixeira Duarte, a Somague, a Bayer, a Ordem dos Médicos, escritórios de advocacia, e muitos mais.
Num outro ponto, a democracia tornar-se-ia mais participativa e fiscalizada. No primeiro caso, uma vez que o bulício da Quinta dos Políticos-celebridades seria mais cativante que a inércia do Canal Parlamento, irá descambar nos típicos comentários matutinos acerca do programa do dia anterior e, por sua vez, à vontade em participar com o seu voto telefónico no seu concorrente preferido; no segundo caso, dado a constante observação dos hábitos e procedimentos quotidianos dos líderes do país, o eleitorado passa a ter um maior conhecimento sobre as ideias e acções da sua futura escolha e, devido a essa mesma perpétua observação, o eleitorado previne os malefícios democráticos do tráfico de influências, por exemplo, dado que não existiriam bastidores obscuros para manipularem a sua decisão.
Por estes motivos, defendo a inserção do processo democrático numa Quinta das Celebridades. A bem da verdade, de uma maior participação, para mais credibilidade, para eliminar a alienação do votante, para podermos dizer “a democracia é fixe!”.
Eu por mim, já tenho o meu voto destinado ao burro.