19/07/2005

O Ocidente, a Al-Qaeda e os civis


«Em média, morreram 34 iraquianos civis por dia. Um terço das mortes são da responsabilidade da coligação»

Dia 7 do 7, em London, Reino Unido, morreram 56 pessoas num ataque suicida a três carruagens de Metro e a um autocarro. No dia 16 de Julho, na localidade de Moussayeb, Iraque, morreram 98 pessoas num ataque suicida com um camião cisterna.
Sobre estes dois eventos macabros não quero salientar a sua insensatez ou o acto desesperado que ambos encerram.
Nem quero discutir sobre responsabilidades, que podem ser atribuídas ao fundamentalismo islâmico que (re)age com ataques ou contra-ataques sangrentos sobre os seus inimigos, actos estes que são posteriormente classificados de terroristas; como também podem ser atribuídas ao liberalismo económico (também ele fundamentalista) que, numa lógica de neo-mercantilismo, depõem governos, anexam territórios e invadem países, com o objectivo de terem novos mercados, mais produtos para revenda. Nem quero falar sobre George W. Bush ou Usama Bin Laden, se quiser-mos atribuir um rosto aos responsáveis.
Nem vou tecer considerações sobre a legitimidade destes actos, decorrentes da Cruzada Sagrada da NATO e da ONU na implantação do dom da Democracia pelo mundo ou a consequente retaliação pela injustificada ingerência dos povos ocidentais nas decisões de países islâmicos.
Pretendo somente chamar à atenção ao enaltecer numérico que está presente neste género de notícias: 9/11, 11 M, 7/07, 56 mortos, 120 feridos, 250 desaparecidos, são somente números mas esta lógica cabalista faz esquecer os homens e as mulheres a sangrarem, decepados de um membro, a exalarem o seu último suspiro, e que se escondem por trás destes números todos.
Porque nas conversas que ouço, nos artigos que leio, nos comentários que vejo, reparo na atenção dada aos motivos, aos rostos que causam tanta notícia, aos culpados pelo sofrimento das vítimas, mas nunca uma atenção sobre a pessoa, o indivíduo e, principalmente, nunca surge uma solução.
Porque ao falarmos de números, banalizamos a importância da vida e damos somente importância à contagem de corpos. Em como a de New York foi maior do que a de London; em como a do Iraque é-nos indiferente porque é lá longe mas a de Madrid é já aqui ao lado e assusta-nos.
Porque ao falarmos em contagem de corpos estamos já a treinar o nosso corpo e a nossa mente de civis que estamos perante uma guerra e, se a contagem dos outros é vista como oposta à nossa, estamos já a assumir posições, a tomar partidos, a formar fileiras. E parece-me inacreditável e, principalmente, assustador estarmos no séc. XXI e termos de nos mentalizar e preparar para esta Guerra Mundial que já tantos autores de ficção nos haviam advertido anteriormente.
Não quero e não desejo que nenhum de nós se prepare para esta Nova Ordem Mundial, em que os ocidentais atacam com o termo ‘Guerra’ e os islâmicos respondem com o termo ‘Terrorismo’. Porque, como sabemos, as únicas lágrimas vertidas que não são de crocodilo são as das vítimas civis.
Exemplo: Quando a OLP de Yasser Arafat surgiu foi apelidada de organização terrorista; com o passar dos anos, a sua designação modificou-se para o de uma organização legítima pela independência de um povo até chegar à posição de ter de se sentar com o seu opositor a discutir os termos da sua coexistência pacífica. Para tal, foram necessários cerca de 40 anos e um rol de notícias com vários e oscilantes números de contagem de corpos - que ainda perdura.
A meu ver, todos estes números, toda esta contagem de corpos, conduz somente à lamentável banalização da morte, ao tornar banal o facto de um ser humano ter desaparecido. Por isso, o eterno defeito de, quando perante um dilema, o que fazemos é procurar responsabilidades não é mais que um subterfúgio para não começar desde já a procurar a solução para tanto sofrimento. Eu, por mim, não gosto assim tanto de contar...principalmente mortes.