08/01/2008

O Subúrbio de Springsteen

A minha educação musical iniciou-se num Natal infantil no qual os meus progenitores me ofereceram uma K7 do Born in the USA do Bruce Springsteen.
Desde então sempre gostei do Boss.
Recordo de uma vez (talvez a única) em que vi um video-clip ou um documentário cuja música era o Born in the USA e que estava legendado com a letra. Foi nessa altura que me apercebi que, contrariamente ao que o título indicava, a temática da canção era muito menos patriótica do que eu julgava. Foi também aí que comecei a ver o Boss como um cantor de intervenção e a admirá-lo por isso.
Mas, independentemente disso, sempre gostei do Boss.
Uma vezes com maior fervor, outras com menos intensidade, sendo uma delas aquando do lançamento do The Rising com o qual sinceramente não me identifiquei pois não falava com nenhuma das características do meu Ser.
Sempre considerei as suas canções de suburbano norte-americano espelhos dessa mesma condição de suburbano. Uma condição que eu nunca reneguei e que sempre considerei como uma das minhas qualidades identificativas.
E aquela muralha sonora da E-Street Band é um Rock (agora) domesticado mas que complementa perfeitamente a voz e as letras do Boss. Sendo todos grandes músicos e uma autêntica orquestra que ao primeiro acorde atiram com o seu cartão de visita que faz com que todos saibam que estão a ouvir Bruce Springsteen & the E-Street Band.
Também gosto do Bruce Springsteen como trovador da folk norte-americana presente em álbuns incríveis e monumentais na sua simplicidade como são o Nebraska ou o The Ghost of Tom Joad. Lembram um western plácido mas de um cowboy que veio para os néons e casinos da cidade.
No passado Natal, recebi o último álbum Magic (agora em CD-digipack).
Constatei com agrado que a Muralha Sonora regressou mais velha mas com a mesma pujança de antigamente. Continuam a funcionar como uma máquina una e bem oleada, que vão num ápice da delicada melodia ao rock de encher o ouvido.
A canção de abertura entra logo a matar, o que é especialmente gratificante para alguém que já estava com saudades como eu.
No entanto, há duas que gosto especialmente: I'll Work For Your Love e Long Walk Home.
A primeira é a incansável canção de amor.
A segunda é a eterna temática do regresso a casa e do subúrbio de New Jersey recheado de italianos, judeus, negros...
Eu também sempre me achei um suburbano e com orgulho dessa condição.
Claro que o meu subúrbio a norte de Lisboa não tinha a diversidade étnica do subúrbio de Springsteen, mas sempre teve um aspecto em comum: a 'cúmplice não-pertença à comunidade'.
Ou seja, na comunidade onde vivi e cresci muito poucos podem dizer que “são” desta terra. Quase todos são de uma outra terra na província. Por esse motivo, por ninguém ser da terra onde vive havia sempre aquele distanciamento que impedia a amizade mas, como ninguém podia reclamar para si o título de autóctone, ao passar recorrentemente pelo talho na esquina do meu prédio podia entrar livremente no seu interior que seria acolhido com moderada cordialidade e com a entreajuda própria de imigrantes na própria terra.
Ao ter-me mudado para a aldeia foi a diferença que mais senti.
Comecei a sentir a desconfiança dos filhos da terra face à minha presença porque, apesar de toda a minha vida ter sido um estranho na terra onde resido, somente na Aldeia é que comecei a ser tratado como um estrangeiro.