27/03/2008

A Cantiga é uma Arma

Ontem decidi ouvir novamente o primeiro dos Rage Against The Machine. Tavez por se estar a aproximar a data da sua vinda a Portugal após a separação de muitos anos. Apesar de, infelizmente, não os ir ver, agradou-me saber da sua reunião para espalharem um pouco mais da sua revolução musical pelo mundo; provando que a música enquanto acção interventiva continua viva.
Todos os seus 3 álbuns de originais são manifestos revolucionários poéticos e musicais. O primeiro, devido à sua elevada originalidade para a altura, foi e é um murro nas ondas hertzianas do conformismo contemporâneo, se bem que foi no terceiro (The Battle of Los Angeles) que aplicaram na prática a música como acto interventivo ao causarem um pequeno motim à porta do NY Stock Exchange na gravação do videoclip para o “Sleep Now in the Fire”.
Foi em ’93, andava eu no 10º, quando me deparei com a excelência dos RATM. Fiquei maravilhado com o facto de ainda existirem crentes e representantes da música interventiva, a conseguirem fazer algo fascinante e adaptado àquele início de década. As palavras fortes e incisivas de Zach de la Rocha acompanhadas do Pfunk rude e agressivo de Morello, Tim e Brad eram o som dos descontentes, da minoria da esquerda revolucionária, em busca de uma manifestação difícil porque, apesar do alerta em “Know Your Enemy”, aquele estava e continua a estar difuso entre políticos e interesses económicos.
Acho que continuam uma tradição cultural já desenvolvida anteriormente naquele país pelos representantes da folk americana (Pete Seeger, Bob Dylan e outros).
Quando criança, os meus pais impingiam-me a versão nacional dessa música de intervenção. Muitos fins-de-semana passei a ouvir Zeca Afonso, Ary dos Santos, Fausto, Manuel Freire, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Adriano… Muitos deles ficaram na minha memória musical como um passado ilustre da nossa música e, em muitos deles, como epítomes qualitativos da sua produção. Por exemplo, continuo a considerar a obra de Adriano como das mais originais e que melhor representam a alma melancólica do português.
Actualmente, apesar de existirem intérpretes e grupos que controem partituras magníficas na música nacional, vejo que a expressão Música de Intervenção já não se aplica como se fugissem dessa classificação maldita – o que em parte é compreensível dado o estigma e bagagem que tem na realidade musical na história de Portugal. Mesmo os Mão Morta têm uma componente mais de irreverência do que de intervenção; mesmo o universo rap/hip-pop (por excelência, fértil como música de intervenção) aborda mais temáticas pessoais e de comportamentos marginais, que de intervenção social.
Isto porque, apesar de não o ter vivido, por vezes tenho alguma nostalgia dos tempos do PREC, da revolução constante e a Cantiga é uma Arma multiplicar-se por várias manifestações musicais no impulso do momento ou em estúdios de gravação elaborados.
Isto também porque hoje ofereci a coletânea, “E Depois do Adeus…”, de músicas (agora clássicas) do pré e pós 25 de Abril à minha mulher que precisava de satisfazer os seus actuais gostos por Música de Intervenção. E eu, precisava de começar a ouvir álbuns que fossem os meus, em vez de ir surripiá-los aos meus pais.