26/01/2008

“Uma chamada para si do país real, Sr. Presidente”


Na realidade são várias chamadas, lamento imenso tê-lo induzido em erro.
Mas na realidade tenho aqui várias chamadas em espera de cidadãos que querem ir à escola, que sentem uma dor mas não têm orçamento para ir ao Hospital mais próximo que fica a 45 minutos de distância…
Veja lá que tenho aqui uma alminha que quer falar consigo porque não quer ir de noite, no escuro, numa estrada de montanha, de urgência para a localidade vizinha que fica só a 10 km, com o argumento de que a viagem é complicada.
Tenho aqui também imensas chamadas em espera de cidadãos que se sentem abandonados pelo Estado ao qual lhe pagam os impostos e que, em contrapartida, recebem custas de tribunal, taxas moderadoras, SCUTs que deixam de o ser; isto para pagar estradas de má qualidade, atendimento médico que não existe ou com filas de espera irreais e aquela sensação de insegurança pública sem acreditar que as autoridades podem fazer realmente algo.
Tenho também aqui uma chamada em espera de um cidadão que o quer felicitar pelo bom serviço que lhe foi prestado quando cortou o seu próprio dedo e foi muito bem atendido no Hospital da sua residência. De facto é verdade: é por estas chamadas que vale a pena vir trabalhar todos os dias, não é Sr. Presidente.
Desculpe, lamento imenso, mas tenho aqui em espera a chamada daquele consórcio que aguarda adjudicação para começar a construir o Hospital Privado naquela localidade onde encerrámos há pouco o SAP. Eu podia passá-lo à frente na fila de espera mas dado o teor da conversa, o melhor é pedir-lhe que ligue para o seu telefone pessoal.
Sr. Presidente, eu sei que provavelmente não quer saber disto. Mas, tenho aqui uma chamada em espera de uma criança por nascer que está indecisa e insegura com o facto de se valerá a pena passar à condição de bebé português, tendo em conta o misto de aflição e alegria que a sua vinda está a causar nos seus futuros pais.

Esta é para o nosso Presidente, o nosso Primeiro, o nosso Ministro da Saúde, o nosso Presidente do INEM.
Uma vez, um dos meus assistentes passou-me uma chamada do presidente do INEM que reclamava com o facto da previsão de entrega das nossas encomendas serem entre as 9 e as 13 porque ele, como presidente do INEM (ele fez questão de o referir diversas vezes durante a chamada) não podia estar à espera tanto tempo para receber um telemóvel e exigia que fosse acordado uma hora exacta de entrega e que pudesse ser recebida pela sua secretária porque ele era uma pessoa muito ocupada para estar a conviver ou combinar coisas com estafetas. Sim, porque nós, os portugueses de 2ª e 3ª categoria, podemos esperar 45 ou mais minutos para sermos dados como mortos; mas tal não se pode aplicar para os portugueses de 1ª categoria que nem um segundo podem aguardar por qualquer serviço que seja.
Isto não é somente sobre o INEM; é sobre todos os snobes no topo do cadeirão que, infelizmente, a sua arrogância não lhes permite vislumbrar as dificuldades que o comum cidadão passa para poder sobreviver, quando, ainda por cima, lhe retiram os poucos direitos e garantias que têm.

P.S.: No dia 14 de Janeiro de 2007, um responsável do INEM a prestar declarações no seguimento do caso do atropelado em Odemira que demorou 6 horas a ser transportado para Lisboa disse à TSF, basicamente o seguinte: os cidadãos que não estão nas grandes cidades (Lisboa e Porto) não têm, naturalmente, o mesmo acesso a serviços médicos... O mesmo se passa em países desenvolvidos e referiu que uma situação semelhante numa região remota da Austrália ou no norte da Noruega teria os mesmos resultados.
Não sei porquê, não me caiu bem esta lógica de pensamento da parte de um responsável por uma unidade de socorro a vítimas.