11/04/2009

Nascido na Cidade que não Existe

A Era da informação tem as suas vantagens.
Quando era mais jovem e meus pais informaram-me da minha cidade de nascimento, os livros ou as enciclopédias eram parcas em fornecer os conhecimentos geográficos, sociais, demográficos para poder esclarecer a minha curiosidade ou até mesmo para poder comprovar a sua existência. Os meus pais disseram a palavra Umtali como sendo a cidade fronteiriça para onde a minha mãe teve de ir para me parir. Na altura, a independência de Moçambique tinha conduzido ao êxodo dos médicos portugueses brancos da cidade da Beira (entre outras cidades moçambicanas) onde eles residiam então. Como ficaram com algum receio de alguma complicação e, por certo, duvidavam das competências do corpo médico que tinha escurecido a tez, acharam por bem que a minha mãe fosse para Umtali.
Umtali era uma cidade zimbabueana grande e com hospital que ficava na fronteira com Moçambique na província de Manica – muitas vezes ouvi alguns dos meus parentes retornados a falarem desta província, sem saber que também tinha nascido nela mas do lado zimbabueano.
No ano em que nasci, Moçambique era independente enquanto Zimbabué ainda vivia sob o jugo do Ian Smith e os seus comparsas; como também não se chamava Zimbabué mas República da Rodésia.
Ainda vivi alguns anos enquanto rodesiano e, inclusive, com esse registo no meu BI. Alguns amigos mais conhecedores de história mundial até me gozavam por ter nascido num país racista e que já não existe. Dessa forma, me fui assumindo como sendo da terra de ninguém, de um país que não existe.
Enquanto crescia, e lá longe o meu país de nascimento transformava-se de nação africana modelo para um Estado falido e desumano, o meu interesse por essa cidade misteriosa de Umtali não conseguia ser satisfeito.
Ontem, após 33 anos passados, lembrei-me de googlar “Umtali” pois pretendia confirmar se se escrevia com “n” ou com “m”. Não só esclareci a minha dúvida como fui confrontado com a informação de que, para além de ter nascido num País que já não existe, também nasci numa Cidade que já não existe. Afinal, a misteriosa cidade fronteiriça dá-se agora a conhecer pelo nome independentista de Mutare.
Eu que sempre preenchi os formulários no campo ‘Naturalidade’ como “Umtali, República do Zimbabwe”, doravante vou ficar na dúvida de qual será a designação mais adequada para o meu berço geográfico. Talvez algo dentro do género: “Umtali, República do Desaparecimento”.














Este é o meu mito cosmogónico. Aqui está para mais tarde entediar as minhas filhas naquelas noites chuvosas que as obrigarão a ficar em casa com os velhotes.