21/06/2009

Reminiscências Automobilísticas

A cidade de Braga deve ser a cidade portuguesa com a maior concentração de automóveis clássicos por cidadão automobilizado.
É raro o dia em que não vejo passar um clássico por mim.
Talvez por esse mesmo motivo, assistem-se a muitas concentrações de carros clássicos nesta cidade. Não direi que é todos os fins-de-semana, mas pelo menos um fim-de-semana por mês vemos uma fila de viaturas clássicas a subir ou a descer a Avenida da Liberdade. Na época estival, esta frequência aumenta naturalmente.
Hoje, quando vinha para o trabalho, era uma concentração de Citröen 2 CV. Engraçado o preciosismo em que somente se viam 2 CV; nenhuma Diane tinha-se intrometido. O preconceito era tal que vi um Carocha intrometido, mas era inaceitável a presença de uma Diane – para evitar comparações.

Não sou do tempo do auge das viaturas que referi, mas as viaturas clássicas têm uma carga emotiva mais marcante em perduram mais na memória; pelo menos da minha.

Recordo-me do primeiro carro que os meus pais tiveram: Fiat 128 branco. Lembro-me de estar na escola, na Primária, e num dos intervalos me virem dizer que o carro estava a ser levado pela polícia. Até a curiosa da minha professora me abordou por esse assunto, a indagar o motivo. Claro, que era eu, um imberbe de 7 aninhos, que iria saber esses motivos burocráticos que me eram ainda mais estranhos na altura. Aliás, só na minha adolescência é que percebi que o carro, que tinha sido vendido pelo meu tio paterno, emigrante na França, não estava legalizado com matrícula nacional e, por isso, tinha sido apreendido.

Privados subitamente de viatura, os meus pais pediram emprestado o Carocha branco a outro tio paterno, que nessa altura estava emigrado na Venezuela. Esse foi o carro mais bonito que os meus pais tiveram. Aquelas linhas, aquele ronco inolvidável do motor, aquele tablier simplório mas estranhamente cativante. Ainda me recordo, do meu tio (quando os meus pais devolver o carro após o seu regresso) gracejar comigo e com o meu irmão por causa das formas grossas dos botões do auto-rádio. Por causa, da experiência tão marcante com esse carro, tive largos períodos da minha vida em que o meu desejo para automóvel pessoal era adquirir também um Carocha.

Depois os meus pais adquiriram o seu primeiro carro (sim porque a do Fiat foi uma coisa algo estranha): um Citröen Visa branco. Sim, os meus pais deviam ter uma panca qualquer com os carros brancos. Eu na altura achava que o carro era uma bodega. Também pudera, seria muito difícil encontrar um carro que conseguisse superar a mística do Carocha. Mas actualmente, recordo-me de pormenores engraçados. O tablier que tremia a ponto de quase partir quando o meu pai pisava mais no acelerador. O painel de instrumentos cilíndrico que se escondia do lado direito do volante, que permitia ao meu pai fazer a brincadeira de puxar uma manivela invisível suspensa no tejadilho para soar a buzina. E a buzina!?... Inconfundível e não consigo encontrar qualquer comparação com outras buzinas.

Mas as recordações mais fortes que tenho com automóveis sem ser os dos meus pais, foram também com clássicos.

Recordo-me de ir às hortas com o meu primo com a mãe dele a guiar a 4L. Aquilo é que era um autêntico jipe. O caminho para as hortas era bastante acidentado com muitas lombas, buracos e sempre desnivelado, mas tal era indiferente aquele carro. E, mais tarde, vi jipes mais actuais a empanarem numa estrada perdida no Alentejo e, de certeza, que a 4L a tinha dominado nas calmas.

Numas férias que passei numa terra perto do Cadaval, lembro-me de termos de ir a outra terra, onde estava a haver uma festa e o único de nós com carro era o do Mini e éramos 5. Fomos, apertados mas fomos.

Lembro-me também de um colega de faculdade do meu irmão, que
tinha uma Diane e que não dava um passo sem ser de carro. A distância podia ser ir ao café que ficava a 20 metros: ele iria pegar no carro para percorrer a distância.

O meu avô materno também tinha um carro, do qual já nem me recordo da marca ou do modelo porque o que ficou foram a sua cor (amarelo torrado) e ter o volante ao contrário. Tinha-o trazido de Moçambique (à semelhança do seu irmão dilecto) e era o seu orgulho, apesar das complicações que acarretava: ultrapassagens eram complicadíssimas e um trabalho de equipa entre ele e a minha avó; pagar a portagem até se fazia bem se viesse acompanhado mas quando estava sozinho, o que ele se esticava para chegar à cabine.Não tivesse sido o seu acidente na ravina e provavelmente o meu avô não teria trocado de carro. Esse posterior carro (Citröen AX) foi depois herdado pela minha mãe e, depois, foi o meu último carro que utilizei e que era pertença dos meus pais.

Muitas recordações. Sei, e espero, que daqui a uns anos tenha também as recordações automobilísticas actualizadas pelos carros que entretanto me passaram pelas mãos. Estas e as outras recordações são a linfa do meu ser, como um hipotálamo que se desenvolve e se expande com o seu conhecimento, envelhecendo em memórias e saudade.