19/06/2009

Maniqueísmo: o Irão, João Paulo II, Maomé, a Democracia, o Politicamente-correcto e o Confronto

Estava a passear pelo site do Expresso e deparei-me com o cartoon do Rodrigo, que está bastante engraçado.
Ao rir da imagem apercebi-me que esta é uma visão ocidental (digamos) do episódio político das eleições no Irão. Recordei também as palavras do vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mehdi Safari, que comparava a massiva participação das “suas” eleições iranianas em contraste com a escassa participação nas eleições europeias. Nessa sua comparação criou a oposição defendendo que a Democracia no Irão seria mais genuína do que aquela que grassa na Europa.

Estes opostos entre Irão – Europa, Oriente – Ocidente, recordaram-me um dos ensinamentos da minha estadia na universidade: o Maniqueísmo.

O conceito Maniqueísmo foi-me ensinado como as concepções preconcebidas e até preconceitos que o Ser Humano faz em relação ao Outro, ao que é diferente de si ou que não pertence ao seu Grupo, que lhe é exogâmico. Resumindo: o Eu face ao Outro.
Foi a aprendizagem de que tínhamos de abandonar as considerações maniqueístas que trazemos como bagagem da nossa vivência enquanto animais sociais. Só desta forma conseguiríamos criar uma distância segura para que pudéssemos exercer uma visão isenta e imparcial dos factos observados.
Claro que o Ser Humano também constrói muito da identidade do Eu em oposição ao Outro. Por isso, a necessidade deste distanciamento. (já estava com saudade de ter estas dissertações)

Com isto em mente, face a estas atitudes que adjectivam com as suas críticas (humorísticas ou não) o seu contrário, penso, por exemplo no caso do cartoon do Rodrigo, que tem muito de uma visão portuguesa (e por isso ocidental) face à realidade presente no Irão. O contorcionismo de “colocar -nos no papel dos outros” é aqui cilindrado por exigências de piada (neste caso), noticiosas ou políticas (noutras situações). Mas que ofendem o Outro: neste exemplo, os iranianos ou os muçulmanos. Quando eles, os outros, os orientais, também podem tecer considerações de eleições fraudulentas nos países ocidentais, como foi o caso da primeira eleição do W. à presidência dos E.U.A. ou (como também já se ouve falar nos meandros recônditos e de classe baixa da nossa sociedade) esta estranha, conveniente e constante troca de posição no poder entre os 2 maiores partidos no nosso país.
Claro que esta pirraça entre civilizações de “a minha Democracia é melhor do que a tua”, tem mais força de levantamento das massas do “lado” ocidental, devido a questões de maior poderio mediático, económico e até, porque historicamente, o Ocidente arvorou para si, desde há muito, o maniqueísmo de estar sempre do lado da razão; seja ela uma razão religiosa, de educação, de progressismo, de democracia. Se discorrermos o campo de batalha da nossa história mundial apercebemo-nos desta dialéctica entre o que é europeu por oposição ao que não o é, em detrimento destes últimos que são forçados ou têm de se assemelhar aos primeiros.

Neste sentido, recordo-me da polémica gerada pelos cartoons com representações de Maomé que tanto ofendeu a comunidade islâmica e os respectivos países. As considerações maniqueístas ocidentais, neste caso, para além de não terem sido compreendidas pelo mundo islâmico, foram consideradas ofensivas para as suas convicções religiosas.
Claro que o humor tem sempre uma carga maniqueísta por ser opinativo e na nossa sociedade laica este tipo de tiradas mais ou menos ofensivas têm de ser aceites, tendo em conta a nossa liberdade de expressão.
Mas aí, o mundo islâmico esteve pura e simplesmente a borrifar-se para a liberdade de expressão ou para o humor e viu somente uma ingerência cultural ofensiva a um ícone sagrado e imaculado da sua cultura, da parte dos ocidentais e da sua cultura, que muitos deles desprezam e que defendem que estes “ataques” são historicamente recorrentes.
Por isso, falo do necessário cuidado e atenção na abordagem destas temáticas.

Também penso que se a piada tivesse partido de dentro do mundo islâmico, a reacção teria sido mais comedida e talvez judicial mas não teria sido muito diferente daquela que sucedeu aquando da famosa caricatura do António do Papa João Paulo II. Na reacção dos representantes clericais do nosso país existiram manifestações de desagrado e até insultuosas para com o autor. Recordo-me de um dos representantes de dizer que “era o equivalente a desenhar um preservativo no nariz do próprio pai”. Portanto, o comportamento ocidental perante situações ofensivas a ícones religiosos não é assim tão diferente da reacção que vemos nos muçulmanos.

Por estas e por outras, é que (e sem negar o que escrevi atrás) sou totalmente contra a vigência do politicamente-correcto na nossa sociedade. Para o humor não tem de haver assuntos sagrados e para as opiniões pessoais de cada um, tem de haver liberdade de uma pessoa exprimir as suas opiniões, poder apontar defeitos e diferenças nos outros, mesmo quando isso não é de bom-tom à vista do politicamente-correcto.
Eu quero poder dizer mal de quem não é da mesma cor política que a minha. Eu quero poder fazer piadas sobre gays, louras, pretos, amarelos, vermelhos, cor-de-burro-quando-foge, mulheres, homens, normais, anormais, simples, complicados...

Nós não somos animais assexuados e amebas acéfalas cujos nossos olhos não vêem o confronto face à diferença à nossa frente. Nós vemos e opinamos sobre o mundo que nos rodeia. E o que os intelectuais politicamente-correctos da nossa praça não percebem é que isto que eu defendo, não é igual a discriminação. Porque senão chegamos ao cúmulo actual em que o errado é: ser um casal heterossexual com filhos que vive em casa próprio e tem um trabalho por conta de outrem.

Os povos vivem de interacção e de oposição entre eles de forma a criarem a sua Identidade. É nestes toques e embates que as civilizações caminham no avançar do pergaminho da sua História. Mas, para este episódio do Irão, é positivo a opinião sobre o desenrolar dos eventos mas nunca a ingerência.