02/02/2008

Escrivão no Escuro


Eu também posso ser um escrivão no escuro
O breu pode cercar-me
apertar-me o pescoço
comprimir-me o ventre de contra o chão gélido e húmido
mas eu mantenho a fé
de escrever no escuro
As hostes erguem-se
para me vilipendiar
A gonorreia pode penetrar o sossego do meu lar
e as pústulas contrair meus membros a secar
num deserto de luz a minha pena permanece a dissertar
o monólogo longínquo do seu final
A memória futura
advém do abismo primordial
no olvido do Passado
duma criança parida
emparelhada do ninho de onde emergiu
Fotos e os seus flashes
aqui não fazem a sua chamada
pois a imagem desapareceu
e somente o curto esgar
o murmurar de uma caneta a um canto
que persiste em rabiscar
É o meu colo
o sentimento de te privar de mim
o meu rebento
a minha paixão
Eu sou o escrivão no escuro da tua ausência
das tuas pernas pequenitas
a cutucar os corredores desta felicidade enxertada
Eu faço o Braille dos teus contornos
a minha semente foragida
parto lápis e lápis
aparas atrás de aparas
pois eu prossigo em ser
este escrivão no escuro
cuja caligrafia continua
em ti
minha nascente
o estandarte do meu sangue
o meu livro em crescendo
cuja existência impede o pó de assentar