05/03/2008

Nostalgia (Todos os Homens perdidos no Alto-mar)

Recordo
quando criança
ir para o fundo da piscina
e observar as bolhas de ar a flutuarem até à superfície
e fingir-me morto

Numa fragata voadora
num turbilhão de marés
em bolina
de contra o horizonte
cruza as vagas imensas
tsunamis no Trópico de Capricórnio
onde jaz à vida
um corpo de menino
a flutuar no meio dos destroços
Dá pulos de contentamento
sem parar
sem parar
ininterruptos
como a espuma das ondas a escorrer no infinito das rochas lacradas de bivalves
salta
menino salta
até a tua nuca chocar dolorosamente de contra o tecto do teu prédio
As velas ufanas
cheias do zéfiro matreiro
que te convenceu que a maturidade era o mar doce na foz do teu rio
E assim
no fundo dessa tumba fluvial
desapareceu o berço preenchido com o teu nascimento
Numa decrépita barcaça
devassada pelas tempestades
que torceram-te o pescoço
para que fenecesses com celeridade
Os beijos amargos de tufões e ciclones
que te amaram
e fornicaram o teu corpo pueril
Teu peito que abraça essa sensualidade
e tornou-se margem desse istmo
e ficou costa desse Golfo de águas cálidas e plácidas
mas que anseia pela revolta da borrasca
As mulheres ocultas nos remoinhos de vento
que entram no teu país
na tua fronteira
no teu território
para te provar
que
quando eras índole no palco do recreio da escola
agora
és boçal ao leme do teu frágil iate
ao sabor do seu ondular hesitante
prenúncio de uma vaga que te vai esmagar de contra a amurada
de um porto que não desejas
Repara
malgrado
a tua âncora já nele se encontra alojada
Neste catamarã
que rasga os mares
atolou no gelo do Árctico
secou na desilusão dos remos partidos
duma Epopeia demasiado difícil
demasiado complicada
por demais depressiva
Vaga sim
onda não
vaga sim
onda não
e no meio meu corpo flutua
sem vida e sem norte
O magnetismo do chamamento do Oceano
escondido no búzio esotérico
é somente o mole de minhas falanges
onde o respeito que te tinha
ó mar
perdeu-se no receio
do amor que tenho
ó Oceano
Desde o tornozelo até às ancas
o sentimento na lonjura da água nas minhas palmas
como a natural riqueza
de me saber reflexo desta água
onde meus pés assentam serenos por não terem areia onde atracar
Eu sou a rocha em busca da vaga violenta
Eu sou o promontório que te dá o pôr-do-sol
Eu sou
o fundo do mar e os tesouros que não queres desvendar
Tesouro
é o conhecer
é o amargo de boca em provar a beleza efémera
numa sereia enlouquecida
mas o leme força ainda
o teu barco de contra os recifes da realidade
Eu sou
o coral poluído
moribundo porque assim o desejo
na tatuagem
e no estandarte no alto do meu navio

Recordo
quando criança
ir para o fundo da piscina
e observar as bolhas de ar a flutuarem até à superfície
e fingir-me morto
Hoje
já adulto
desejo falecer num Oceano desconhecido
para que me esqueçam a sepultura