28/07/2005

Rubrica "Destilo Ódio"


Hoje deito-me com azia a:

  • armas brancas
  • desaparecimento da camada de ozono
  • celebrity pregnancy

“Em Chamas!”


No Verão de 2003, estava no estrangeiro e as duas únicas notícias que chegavam lá fora de Portugal eram a transferência do Cristiano Ronaldo para o Manchester Utd. e os dantescos fogos que lavravam pelas florestas portuguesas.
Agora, estamos no Verão de 2005 (apesar de lá fora estar a cair uma chuva miudinha), e, de facto não sei quais são as notícias de Portugal que chegam lá fora, mas constato que, ano após ano, as paragonas “Fogo!”, “Em Chamas”, “O País a Arder” repetem-se tristemente.
Há poucos dias, vi na televisão um bombeiro que se queixava da escassez nos apoios ao combate aos fogos, afirmando ser preferível ter “equipamento a mais disponível” no Quartel do que chegar ao local do sinistro e deparar-se com a insuficiência de meios. Críticas e queixas na prática são opiniões mas por mais subjectivas que estas sejam, tal como os fogos se repetem é também recorrente a insatisfação dos bombeiros perante a profissão que ocupam, o desprezo que afirmam sentir da classe política, a morte a cada ano mais iminente... Uma crítica pode ser uma insatisfação pessoal mas várias e sempre sobre o mesmo indicia algo que não estará a funcionar correctamente.
É fácil defender: para quê gastar 9,5 milhões numa missão militar quando ano após ano perde-se cada vez mais o verde da mata portuguesa? O relativizar da importância das acções do Estado português – lamentavelmente – ao Governo e ao Parlamento, que o constituem, diz respeito. Mas, na óptica deste humilde escriba, o aumento do gráfico dos fogos e dos hectares de terra cinzenta das chamas ser proporcional à indiferença dos governantes que se sucedem parece-me uma atitude, não apenas censurável, como também bizarra.
E agora o grito do Tocha Humana:
- apesar de gostar da visão de uma lareira a crepitar quando o verde viçoso mescla-se com aquele vermelho rubro, a minha vista desconfiada contempla à sua frente, disfarçado por trás de cortinas feitas de desculpas esfarrapadas, rios de alcatrão defeituoso a escorregar por entre as colinas chamuscadas acompanhados de urbanizações de betão armado pintados a cores de bairro social. Não é pessimismo da minha parte. A história deste rectângulo ibérico está pejada de estórias de personagens de memória curta.


13º RELATÓRIO SEMANAL PROVISÓRIO - 03 NOVEMBRO 2003
13º RELATÓRIO SEMANAL PROVISÓRIO - 21 SETEMBRO 2004
2º RELATÓRIO SEMANAL PROVISÓRIO - 23 JUNHO 2005

21/07/2005

Rubrica "Destilo Ódio"


Hoje deito-me com azia a:

  • bolhas nos dedos das mãos
  • mentira e falsidade é sempre condenável e, além disso, não tem possibilidade de liberdade condicional quando é injustificável
  • quando o comando desaparece, a televisão está num volume exacerbado e por mais que se procure, não encontramos o cabrão do comando

20/07/2005

Dança das Cadeiras: Prelúdio

«Campos e Cunha sai do Governo»

E aí vai o primeiro. A primeira separação rabiscada no prelúdio desta peça shakespeariana que é a vida política portuguesa em que Capulets e Montagues vão trocando piropos e ofensas, enquanto no interior das próprias fileiras o veneno, a intriga, as trocas e baldrocas também vão perdurando.
Campos e Cunha sai, dêem passagem a Teixeira dos Santos, o novo homem forte da pasta das Finanças.
Num pequeno aparte, deixem-me opinar que, neste cantinho à beira-mar plantado, esta pasta é tão apetecível como igualmente repelente. Tal como o favo de mel em que, quem o queira provar tem de se aguentar com os ferrões das abelhas. Mas adiante...
Desejo somente afirmar a minha surpresa pela boa impressão com que fiquei perante a verdade apresentada no motivo por mais uma dança das cadeiras: a família de Campos e Cunha estava de facto cheia de saudades do seu patriarca que, desde que tinha ido para o governo, passou a chegar pontualmente a casa no final do expediente.
Mas, para uma pasta como a das Finanças, só lamento a escolha de um sucessor cujo insignificante cargo anterior era o de registar os valores de revenda de um jogador de futebol. A meu ver, dado o estado das Finanças do país, sugiro a argúcia e a poupança espartana do dono da Loja do Chinês ali na esquina do meu prédio. Promoções e propostas irrecusáveis será o que não faltará.

Rubrica "Destilo Ódio"

Hoje deito-me com azia a:

  • anestesia geral, local, epidural
  • maldita a escassez do tempo para fazer as coisas

19/07/2005

O Ocidente, a Al-Qaeda e os civis


«Em média, morreram 34 iraquianos civis por dia. Um terço das mortes são da responsabilidade da coligação»

Dia 7 do 7, em London, Reino Unido, morreram 56 pessoas num ataque suicida a três carruagens de Metro e a um autocarro. No dia 16 de Julho, na localidade de Moussayeb, Iraque, morreram 98 pessoas num ataque suicida com um camião cisterna.
Sobre estes dois eventos macabros não quero salientar a sua insensatez ou o acto desesperado que ambos encerram.
Nem quero discutir sobre responsabilidades, que podem ser atribuídas ao fundamentalismo islâmico que (re)age com ataques ou contra-ataques sangrentos sobre os seus inimigos, actos estes que são posteriormente classificados de terroristas; como também podem ser atribuídas ao liberalismo económico (também ele fundamentalista) que, numa lógica de neo-mercantilismo, depõem governos, anexam territórios e invadem países, com o objectivo de terem novos mercados, mais produtos para revenda. Nem quero falar sobre George W. Bush ou Usama Bin Laden, se quiser-mos atribuir um rosto aos responsáveis.
Nem vou tecer considerações sobre a legitimidade destes actos, decorrentes da Cruzada Sagrada da NATO e da ONU na implantação do dom da Democracia pelo mundo ou a consequente retaliação pela injustificada ingerência dos povos ocidentais nas decisões de países islâmicos.
Pretendo somente chamar à atenção ao enaltecer numérico que está presente neste género de notícias: 9/11, 11 M, 7/07, 56 mortos, 120 feridos, 250 desaparecidos, são somente números mas esta lógica cabalista faz esquecer os homens e as mulheres a sangrarem, decepados de um membro, a exalarem o seu último suspiro, e que se escondem por trás destes números todos.
Porque nas conversas que ouço, nos artigos que leio, nos comentários que vejo, reparo na atenção dada aos motivos, aos rostos que causam tanta notícia, aos culpados pelo sofrimento das vítimas, mas nunca uma atenção sobre a pessoa, o indivíduo e, principalmente, nunca surge uma solução.
Porque ao falarmos de números, banalizamos a importância da vida e damos somente importância à contagem de corpos. Em como a de New York foi maior do que a de London; em como a do Iraque é-nos indiferente porque é lá longe mas a de Madrid é já aqui ao lado e assusta-nos.
Porque ao falarmos em contagem de corpos estamos já a treinar o nosso corpo e a nossa mente de civis que estamos perante uma guerra e, se a contagem dos outros é vista como oposta à nossa, estamos já a assumir posições, a tomar partidos, a formar fileiras. E parece-me inacreditável e, principalmente, assustador estarmos no séc. XXI e termos de nos mentalizar e preparar para esta Guerra Mundial que já tantos autores de ficção nos haviam advertido anteriormente.
Não quero e não desejo que nenhum de nós se prepare para esta Nova Ordem Mundial, em que os ocidentais atacam com o termo ‘Guerra’ e os islâmicos respondem com o termo ‘Terrorismo’. Porque, como sabemos, as únicas lágrimas vertidas que não são de crocodilo são as das vítimas civis.
Exemplo: Quando a OLP de Yasser Arafat surgiu foi apelidada de organização terrorista; com o passar dos anos, a sua designação modificou-se para o de uma organização legítima pela independência de um povo até chegar à posição de ter de se sentar com o seu opositor a discutir os termos da sua coexistência pacífica. Para tal, foram necessários cerca de 40 anos e um rol de notícias com vários e oscilantes números de contagem de corpos - que ainda perdura.
A meu ver, todos estes números, toda esta contagem de corpos, conduz somente à lamentável banalização da morte, ao tornar banal o facto de um ser humano ter desaparecido. Por isso, o eterno defeito de, quando perante um dilema, o que fazemos é procurar responsabilidades não é mais que um subterfúgio para não começar desde já a procurar a solução para tanto sofrimento. Eu, por mim, não gosto assim tanto de contar...principalmente mortes.

A Salvação da Democracia

Perante o descrédito das instituições democráticas que perdura nos dias que correm, o alheamento e o afastamento dos eleitores face à classe política que os dirige, proponho a seguinte solução: fazer do cenário político nacional uma Quinta das Celebridades para políticos.
Imaginem os líderes dos partidos, todos alegres, malandros, sorrateiros, forçados a conviver durante um período de tempo, encerrados numa quinta qualquer no Ribatejo (ou até noutra província qualquer do país), a darem provas do seu desempenho ao eleitorado televisivo que votariam em quem gostavam menos (sim, porque todos adoramos os nossos políticos-celebridades) para sair; e o menos votado ganharia o cargo de capataz de Portugal até à votação seguinte.
Seria de facto brilhante... Quem não gostaria de assistir às capacidades do Eng. Sócrates a cavar a fossa doméstica da Quinta, ou o rigor do Jerónimo de Sousa em não deixar as ovelhas tresmalhar; veríamos com agrado o brio do Marques Mendes em deixar a casa bem arrumada e a divertida indecisão do Ribeiro e Castro entre reconstruir o galinheiro ou ficar no quarto a descansar; ou mesmo deliciados com as cavalgadas radicais do Louça com a égua da Quinta.
E era programa para dar e durar.
A Júlia Pinheiro periodicamente mostrava um resumo das melhores cenas diárias com ajuda de uma luva falante: num dia, as activas discussões entre o Sócrates e o Marques Mendes; noutro dia, as ousadas propostas do Louça levarem às gargalhadas os outros concorrentes; o Ribeiro e Castro a fazer queixinhas ao Marques Mendes, no final de um dia, enquanto o Jerónimo de Sousa explodia de raiva perante a preguiça dos outros; and so on and so on...
O outro tipo, o Fábio Bernardo qualquer-coisa, podia andar pelas ruas a fazer questionários representativos da opinião do eleitorado acerca do desempenho dos concorrentes: numa paragem de autocarro na Baixa da Banheira; numa roulote de comes e bebes na Ota; num salão de jogos da Cedofeita, etc., etc..
Semanalmente, numa espécie de Festa das Vindimas televisiva, a Júlia Pinheiro podia falar com as respectivas bancadas parlamentares dos participantes acerca do desempenho dos seus líderes. Opiniões que seriam por certo isentas, animadoras (quando o dito líder estivesse a ouvir), enaltecendo a performance positiva do mesmo, desprestigiando os adversários, criando expectativas para os feitos futuros. Sentados atrás destes, estariam as Juventudes partidárias a rugirem no final de cada parágrafo dito pelo representante partidário.
E caso houvesse preocupação com o término do programa (que será completamente infundada), existe sempre a possibilidade de fazer entrar na Quinta, a meio do programa, novos participantes, igualmente qualificados, como o Garcia Pereira, o Manuel Monteiro, a Carmelinda Pereira, dando ao processo decisório ainda mais representatividade.
Apesar de audaciosa e talvez perturbadora, a ideia tem as suas vantagens. Notem o seguinte:
É economicamente viável, uma vez que o processo eleitoral seria auto-suficiente sendo pago pelo próprio eleitor no seu acto eleitoral de votar contactando para um número de chamada de valor acrescentado. Para além disso, poder-se-ia gerar mais-valias com a publicidade nos interregnos do programa, cedendo o espaço a empresas de interesse público como a Teixeira Duarte, a Somague, a Bayer, a Ordem dos Médicos, escritórios de advocacia, e muitos mais.
Num outro ponto, a democracia tornar-se-ia mais participativa e fiscalizada. No primeiro caso, uma vez que o bulício da Quinta dos Políticos-celebridades seria mais cativante que a inércia do Canal Parlamento, irá descambar nos típicos comentários matutinos acerca do programa do dia anterior e, por sua vez, à vontade em participar com o seu voto telefónico no seu concorrente preferido; no segundo caso, dado a constante observação dos hábitos e procedimentos quotidianos dos líderes do país, o eleitorado passa a ter um maior conhecimento sobre as ideias e acções da sua futura escolha e, devido a essa mesma perpétua observação, o eleitorado previne os malefícios democráticos do tráfico de influências, por exemplo, dado que não existiriam bastidores obscuros para manipularem a sua decisão.
Por estes motivos, defendo a inserção do processo democrático numa Quinta das Celebridades. A bem da verdade, de uma maior participação, para mais credibilidade, para eliminar a alienação do votante, para podermos dizer “a democracia é fixe!”.
Eu por mim, já tenho o meu voto destinado ao burro.