29/02/2008

Coisas da Bola

Em conferência de imprensa na sede da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o presidente da Assembleia Geral da Liga dirigiu-se ao país para se defender das acusações tornadas públicas pelo facto de ser acusado de corrupção activa e um dos arguidos do chamado processo “Apito Dourado”.
Claro que é aceitável e nada promíscuo, o cidadão Valentim Loureiro (que é um cidadão como qualquer outro) não somente utilizar as instalações de uma entidade que organiza e administra, de forma isenta, a modalidade do futebol profissional em Portugal; como, para além disso, manter um cargo de chefia entidade em causa. Claro que não passou pela cabeça de ninguém, nem do próprio, que tal atitude revela o desdém e arrogância que a classe dirigente do país continua a passar aos concidadãos subalternos, ao perpetuarem os caciques e aristocratas que se sabem impunes a tudo.
Mas não é nada demais. Afinal é só Futebol. Não me posso é recordar que esta situação é em tudo semelhante com o que se passou há uns anos atrás com um anterior Ministro da Defesa.

Por falar em Bola. As claques do Benfica e do Sporting já começaram a treinar para o grande Derby e um deles até já foi hospitalizado.
Eu gosto de ver um jogo da bola; se bem que muitas vezes não tenho pachorra para aturar os 90 minutos de enfiada. Prefiro ver os jogos em casa ou no café: ir ao estádio acho que é um frete e uma confusão surda.
Para mim, as claques funcionam como espécie de guardas pretorianas ao serviço dos mandos e desmandos dos presidentes dos clubes ou mesmo da sua direcção. São na sua essência organizações violentas, de provocação e de confrontação. De quando em vez, lembram-se deste tipo de espectáculos degradantes de desordem pública, de perda de tempo e dinheiro ao erário público – como o que sucedeu na noite do passado Domingo. Solução: bancadas vazias no derby lisboeta para que servisse de lição a dirigentes e maralha.

Entre os dias 20 e 22 de Junho vai decorrer o Campeonato Mundial de Swamp Soccer (Futebol na Lama) na localidade escocesa de Strachur. Uma versão futebolística de diversão que permite a graúdos e graúdas, jovens e menos jovens, voltar à infância e chafurdar na lama atrás de uma bola de catechu. Galhofa garantida, seguida da muita apreciada ida ao Pub para se afogarem em Guinness.
O singelo momento de futebol, como se de um solteiros e casados se tratasse. A pureza que, talvez, o futebol profissional tenha perdido. E, apesar de os jogadores ficarem todos sujos no final, a sujidade é facilmente lavável com água e sabão.

27/02/2008

O Planeta precisa de si

Com este horário, por vezes, consigo chegar a casa antes das 19.
Como a minha filha gosta de ver os programas infantis que dão no canal 2 a essa hora, como a Miffy (ela tem fascínio por coelhos), a Passarola da Ilha das Cores, o Usso” da Casa Azul (que agora deixou de dar), frequentemente enquanto lhe estou a dar o jantar estamos a ver em conjunto esses programas.
Às Quartas, se chegar cedo ainda consigo ver o Biosfera que é o verdadeiro serviço público que o canal 2 nos dá.
Nunca lhe tinha dado a devida importância mas nos 2 últimos programas reparei em pequenas rubricas importantes para alertar para a importância da preservação da Natureza.
O Biosfera é um programa que aborda várias temáticas dentro do fio condutor da Ecologia. Hoje falou dos recursos fluviais e da rede pública de distribuição de água no nosso país; a ameaça aos Ursos do Árctico em contraponto com os interesses das empresas de Gás e Petróleo também foi abordada; termina (todos os programas) com a referência a alguns sites com preocupações ambientais e/ou causas ecológicas, bem como os relatórios da Qualidade do Ar em Portugal.
Gosto porque não são fundamentalistas no passar da mensagem ou talvez porque o vejo em conjunto com a minha filha que canta despreocupada ao pé de mim: “Era uma bez um cabalo, que bibia num hindo caossél…” – sim, a menina está a ficar com pronúncia do norte; será da convivência. Olho para a sua felicidade com vontade de preservar essa inocência, conservando este belo Planeta para que o possa legar tão ou mais verde.
Mas está difícil...

25/02/2008

Reclusão (O périplo de Manuel Teixeira Gomes)


Recensão às Memórias do Presidente
admiração nas páginas folheadas
de ano após ano
na reminiscência que imponho no meu olhar
As montanhas que me cercam
o exílio auto-infligido
inocula-me com a nostalgia de um estuário perdido
de um pôr-do-sol fluvial
numa foz distante da margem em que me encontro
Não embarco numa fragata épica
o meu corcel é ferrugento
e os seus deuses são os monstros do passado
que me amparam até ao meu destino
o imutável e sempre distante destino
Exílio
como uma chaga sempre presente
a sangrar sem fim
é um retrato em carne-viva dos pórticos que não mais vislumbrarei
a ansiosa contagem decrescente no cruzar de um túnel pelo qual não passarei
os bancos de jardim numa metrópole nos quais tenho receio de me sentar
o medo de os ver
singelos rústicos e belos
Tenho medo
uma promessa de não regressar
uma jura em me penitenciar
e castigar meus olhos e meu olfacto
a não atingir a tua perfeita arquitectura
a beleza da tua natureza
a formosura de viver no teu interior
Sou recluso na imensidão do firmamento que te foge
condenado a evitar
tua diminuta prisão

24/02/2008

Hasta la Victoria, El Comandante


É oficial. Fidel Castro abandona o poder em Cuba e seu irmão, Raúl Castro, passa a ser o novo presidente cubano.
A ver vamos como se vão movimentar as forças políticas, internas e externas, face à saída de cena desta figura emblemática da Revolução cubana que, devido ao seu carisma, muito contribuiu para que o sistema político que implementou não se desagregasse, com todas as vantagens e desvantagens que isso trouxe para o povo cubano.
Apesar da mácula no seu currículo de estadista dos presos políticos, dos exílios e as restrições à liberdade de expressão que impôs, gosto do estilo de Fidel Castro. A pose obstinada nas suas convicções políticas e de afronta ao imperialismo norte-americano; a silhueta de velho revolucionário.
Aliás, ao abandonar a esfera política (acredito que continuará a ter breves aparições públicas) é também um paradigma que é definitivamente enterrado. Para mim, Fidel Castro faz parte de um série de ícones Revolucionários, esquerdistas e apaixonados pelas suas causas, que emergiram nos vários movimentos de independência dos povos do Terceiro Mundo nas décadas de 60 e 70 e que eclodiram na América Latina, na África negra, no Sudeste Asiático. Ícones esses, que entretanto pereceram, esgotaram, enlouqueceram, expiraram ou renovaram-se.
Com todas as suas qualidades e defeitos, na figura Fidel, El Comandante (e não, o político Fidel Castro) estão os resquícios de um ideal utópico de ver o mundo que agora fica definitivamente a pertencer ao Passado.

A Greenpeace e o Poder


Apesar de considerar que por vezes têm métodos excessivos e radicais, acho que o Mundo precisa, tem de ter uma entidade como a Greenpeace; uma instituição que lute pelos direitos do Planeta como se fossem o defensor oficioso apontado por Gaia.
Não sou inocente… Duvido por vezes dos motivos sub-reptícios em como atacam as acções poluentes de uns países, enquanto que as de outros permanecem incólumes ou raramente mencionados. Estranho também a origem dos fundos para a opulência de algumas das suas acções. Enfim, terei de acreditar que existem ricos beneméritos com consciência neste Mundo.
Li a entrevista do director-executivo da Greenpeace Internacional, Gerd Leipold e achei assustadoramente interessante ele referir que os membros da Greenpeace nos EUA tinham diminuído, bem como o activismo tinha passado a ser mais difícil após o 9/11, que (a meu ver) legitimou as autoridades estatais em limitar, controlar protestos e a participação dos cidadãos neles.
Na sua resposta à relevância do Nobel ter sido dado a Al Gore tem um aparte contundente para os tecnocratas que circulam nos meandros do Poder.

"Quando os políticos não estão no poder, de repente, tornam-se protectores do ambiente. Mas quando estão em posição de fazer alguma coisa, arranjam desculpas."
Gerd Leipold, director-executivo da Greenpeace Internacional, Público, 22-02-2008

É o cíclico problema dos decisores políticos que, aliciam o eleitorado com os seus ideais e planos para um futuro melhor mas, mal se aconchegam na cadeira do Poder, os seus estofos adocicam a sua retórica e institucionalizam as suas decisões para o Poder previamente instituído; e assim, as mudanças, em vez de estruturais, são somente por amostras.
Aqui vejo o célebre aforismo do Séc. XIX ainda actual:

“Power tends to corrupt; absolute power corrupts absolutely.”
Lord Acton, historiador inglês, Abril de 1887

23/02/2008

A Questão Kosovo


Acho apaixonante a temática e os conflitos socio-políticos que a declaração unilateral da Independência do Kosovo veio levantar.
A meu ver, temos de um lado o bloco russo e toda a sua herança eslava e czarista de agregação e congregação de muitos povos e território debaixo da mesma bandeira. Existe na tradição eslava, e principalmente na história da Rússia, a noção de que o poder de uma Nação (com “N” grande) está na extensão das suas terras. Por esse motivo, Putin coloca a mão em cima do ombro do seus eternos amigos sérvios para assegurar a sua protecção e convicção em como a Sérvia tem de se manter uma Jugoslávia – sim, eu sei que Tito e os antepassados de Putin não foram os melhores camaradas.
A atitude de Putin é justificável, não só por camaradagem eslavo-política, mas inclusive por interesse egoísta na própria coesão nacional. A URSS era um Estado puzzle mas a Rússia – cujas fronteiras remontam ao distante Ivan, o Terrível – não deixa de ser um Estado multi-étnico de pequenas comunidades cosidas em linho forçado pelo jugo do Czar reinante. Por esse motivo, exemplos de Independências unilaterais ou secessões forçadas não interessam que vigoram e que sejam inscritas na História dos Tempos a influenciar rebeliões independentistas, que até já vigoram no seu imenso território.
Mais curioso que o próprio interesse czarista do Império do Leste é ele conseguir arrebanhar irmãos ocidentais na sua ideologia de coesão nacional. Não surpreende que países como a Geórgia (cujo povo sempre nutriu um ódio pessoal pelos russos), a Turquia, a Roménia acompanhem Putin na sua relutância em recusar a Independência do Kosovo; mas é engraçado ver, e confirmar, países como a Espanha, a Grécia, o Chipre que, por interesses próprios, acompanham a manifestação de revolta da Sérvia e da Rússia.
Do lado oposto, no meu entender, temos o bloco mercantilista, personificado na política externa e de ingerência internacional dos EUA, Reino Unido e Alemanha.
Estes foram e são os países que instigaram e alimentaram o povo kosovar na sua luta separatista face à grande sombra eslava que deles se acercava. Dado as diferenças étnicas que se avolumavam, tendo em conta o aumento de albaneses no território tal emancipação, e a guerrilha que se seguiu, justificou junto da comunidade internacional, forçando a uma tomada de posição.
No entanto, essa tomada de posição joga com interesses dúbios, nos quais as vontades comerciais dos grandes poderes económicos desses três países influenciam a subsequente ingerência política dos seus Governos ao impor decisões administrativas (a Independência de uma Província) num país soberano como é a Sérvia (dotado de todos os defeitos como qualquer outro país).
Aqui, parece que capitais americanos, britânicos e germânicos juntaram-se num conglomerado para impor decisões de forma a abrir novos mercados económicos mais vulneráveis à ditadura da “melhor oferta é quem der menos”.
Aqui o atroz é que foram estes mesmos países que anos atrás instigaram as vontades independentistas que estavam latentes nos Balcãs e, cujo desmembrar, deu origem à luta fratricida do genocídio das guerras na ex-Jugoslávia. Espero, a bem da Humanidade, que tal não volte a ocorrer.
Perante esta divisão anárquica de posições, em que diferentes Governos de Leste e Oeste abraçam posições diferente fico curioso em saber qual vai ser o bloco ao qual Portugal se irá juntar.

21/02/2008

Canções de Amor e Ódio


The rain falls down on last year's man,
that's a jew's harp on the table,
that's a crayon in his hand.

E ao 3º dia foi criado o mais perfeito álbum de poemas escritos por L. Cohen.
Gosto de todos os álbuns de L. Cohen mas o “Songs of Love and Hate” é sem dúvida aquele em que posso ouvir as letras de cada uma das 8 canções e rever momentos da minha vida no que está a ser declamado, no que me faz recordar.
L. Cohen é um poeta magnânimo e que conseguiu transpor para o universo da Música o seu lirismo tão peculiar e que tanto me influenciou.
No “Songs of Love and Hate” esses poemas recebem uma roupagem sonora ainda minimalista e campestre como os anteriores, mas aqui a simplicidade nos pormenores idealizados para os arranjos conferem uma aura intimista ao álbum e, por esse motivo, mais cativante. As pontuais orquestrações que assomam somente para criar um breve ambiente de suspense ou de altivez. Os coros infantis que finalizam a repetir estrofes ditas pelo cantor principal. A angelical voz feminina.
Tudo isto acompanhado dos interregnos compostos nas jigas do “Diamonds In The Mine” e do “Sing Another Song, Boys” para abrilhantar a efectiva diversidade do álbum. Qualidade essa que é ainda mais evidente quando o ouvi no velho vinil com a pausa no final da 4ª faixa.
Claro que não sou tão espiritual ou crente como possivelmente L. Cohen o é – se bem que acho que este é o mais agnóstico (se que se pode empregar este termo para este exemplo) dos seus álbuns. De qualquer das formas, não há álbum que goste tanto e que me deixe tão satisfeito cada vez que regresso à sua audição. Desde a amargura da “Avalanche” à qual é impossível escapar; à desilusão da metáfora perfeita do Trapo Ensaio para um Vestido; ao diletante “Last Year's Man”; a esperançosa "Joan of Arc”; à mensagem surreal do “Famous Blue Raincoat"…
A minha preferida é “Love Calls You By Your Name”. Quando conheci este álbum, a primeira vez que ouvi esta letra fique na impressão de esta era a descrição do momento pessoal que eu estava a atravessar na minha vida. E fique tão impressionado e tão espantado de como era possível que outra pessoa pudesse descrever tão bem os meus sentimentos sem ter sido eu próprio a escrevê-los. Claro que podia ter sido por osmose mas ficou sempre esta minha paixão tanto pelo seu cantautor como por esta sua obra em particular.

You thought that it could never happen
to all the people that you became,
your body lost in legend, the beast so very tame.
But here, right here,
between the birthmark and the stain,
between the ocean and your open vein,
between the snowman and the rain,
once again, once again,
love calls you by your name.

The women in your scrapbook
whom you still praise and blame,
you say they chained you to your fingernails
and you climb the halls of fame.
Oh but here, right here,
between the peanuts and the cage,
between the darkness and the stage,
between the hour and the age,
once again, once again,
love calls you by your name.

Shouldering your loneliness
like a gun that you will not learn to aim,
you stumble into this movie house,
then you climb, you climb into the frame.
Yes, and here, right here
between the moonlight and the lane,
between the tunnel and the train,
between the victim and his stain,
once again, once again,
love calls you by your name.

I leave the lady meditating
on the very love which I, I do not wish to claim,
I journey down the hundred steps,
but the street is still the very same.
And here, right here,
between the dancer and his cane,
between the sailboat and the drain,
between the newsreel and your tiny pain,
once again, once again,
love calls you by your name.

Where are you, Judy, where are you, Anne?
Where are the paths your heroes came?
Wondering out loud as the bandage pulls away,
was I, was I only limping, was I really lame?
Oh here, come over here,
between the windmill and the grain,
between the sundial and the chain,
between the traitor and her pain,
once again, once again,
love calls you by your name.

18/02/2008

Dilúvios

As marcas que o temporal deixou

Devia eu ser ainda um catraio dos meus 6, 7 anos e recordo-me de estar eu, a minha mãe e o meu irmão em casa (o meu pai estava fora de Lisboa no “serviço”) e olharmos desolados para a velhinha televisão a preto e branco, que se encontrava muda na sua ausência de fonte de alimentação.
Foi na altura das grandes cheias da década de 80. Espaçadamente, existiam breves períodos em que a luz voltava e podíamos ver na televisão as imagens caóticas das planícies ribatejanas inundadas pelo Tejo que se tinha agigantado; eram estas imagens intercaladas com visões citadinas da zona ribeirinha de Lisboa, bem como da Ribeira portuense, alagadas pelo caudal dos respectivos rios que beijavam as janelas dos primeiros andares dos seus prédios à beira-rio.
Mas tal ocorria espaçadamente. O que era recorrente, era a minha mãe acender as velas vermelhas de cera retorcida enfiada nuns velhos castiçais (que por certo ainda os terá) para alumiar a escuridão que se abateu na nossa casa nessa longa semana.
Eu, orgulhosamente, nasci e cresci num subúrbio a norte da cidade de Lisboa. Numa terra a norte de Sacavém, que fica a norte de Moscavide (onde, por acaso, mais tarde vim a constituir família), que fica a norte dos Olivais… Aí fui-me habituando a algumas condicionantes das intempéries.
A pluviosidade nesse planalto na margem direita do Tejo tinha algumas idiossincrasias.
O aumento da sua dimensão muitas vezes fez com que ficasse no apeadeiro à espera de um comboio que tarde chegaria ou não chegaria de qualquer forma, visto ter ficado retido na Póvoa ou então em Alverca – era sempre uma das duas.
Uma vez, quando ainda não tinha a Carta recordo-me de ir com o meu pai de carro e, ao atravessar a ponte que cruza o Trancão, a sua linha de água estava tão próxima da ponte que os carros passavam à vez pela ponte e no máximo da sua aceleração.
Outra, quando já estava na universidade, foi um fatídico de inundações por toda a Lisboa. A água invadiu estações subterrâneas do Metro. Criou um curto-circuito tal no funcionamento das linhas da CP – só estava a funcionar de Sta. Apolónia até Sta. Iria. Foi um dia de engarrafamentos de proporções bíblicas: viam-se diversas pessoas apeadas a preferir andar a pé até ao seu local de destino; alguns estacionavam as viaturas para as virem buscar mais tarde; eu próprio preferi ir a pé deste Entre Campos até casa!
Mas o que mais me ficava na retina (aconteceu por diversas ocasiões) era estar no topo do andar dos meus pais e observar cá em baixo a água a fluir, a cobrir o asfalto da rua como se de um rio se tratasse, a levantar tampas de esgoto e a arrastar lama – e não era um rio, era somente a água da chuva à procura de um buraco para onde pudesse escoar sem o encontrar. Esta imagem, de tal forma intensa, influenciou a minha predilecção por habitar em andares de alguma elevação. Quando morei numa cave, sempre que chovia, ficava do género formiguinha a revirar e a limpar os escoadouros do logradouro.
Agora, estou um pouco mais a norte do país (Braga) e também já passaram alguns anos por mim (tenho agora 32) e continuo a ver na televisão estas imagens dantescas de inundações a assolar a cidade pela qual tenho tanto carinho. O meu gostar e o meu carinho em nada resolve este mal que perdura na nossa cidade capital (e não afecta somente esta cidade); nem tenho os conhecimentos técnicos ou arquitectónicos para planificar a rectificação desta incoerência urbanística; nem é meu, o poder económico para aliviar o fardo das desgraças que estes azares causam à vida dos nossos concidadãos – mas creio que uma obra e ideia estrutural está em ordem para sanar este mal cíclico, de forma a que não tenha de ser depois a minha filha a ter de me arregaçar as calças para que não as molhe.

16/02/2008

Acordo sem Ortografia

(Des)acordo ortográfico

Subscrevo por baixo.
A minha forma de escrita e a de muitos permanecerá inalterada independentemente de decisões estatais que afectam a literatura, ortografia e mesmo da cultura dos povos.
Para mim um Victor sempre foi escrito Victor e – lamento se estou a ser um Velho do Restelo conservador – para poder saber que não o estou a ofender, continuarei a escrevê-lo como Victor.
Sempre considerei a escrita e a leitura uma projecção física da mente de uma pessoa e, por esse motivo, a sua estética a identidade da sua cultura e forma de pensar.
É o escritor e o leitor (pessoa singular) que molda a sua ortografia com base no que o Povo do qual emergiu lhe ensinou, não só para o legitimar e para o fazer perdurar na memória dos tempos – como sabemos, a carne e a mente é perene mas a literatura é imortal.
Acredito, e espero, que cada país mantenha a sua ortografia como distinção e espelho da região do Homem/Mulher que a escreve.

O Sucesso da Paternidade

A minha filha regressou da sua estadia nas casa dos avós e com ela regressou também uma parte da minha vivência enquanto Ser Humano.
Fiquei muito feliz em revê-la. A si e a sua singela felicidade. O seu sorriso e energia. Apesar de ficar cansado ao fim de algum tempo (está a ficar mais pesada) até tive saudades da sua insistência e predilecção pelo “colo pai”.
Com ela veio a Bandeira, sempre presente, da minha família que ostento fervorosamente. Mesmo que por vezes fique paranóico de ser a despeito e desagrado de alguns.
A minha vida anda por becos pouco iluminados e a possibilidade tropeçar aumentou. No entanto, da linha que cruza a palma da minha mão nunca reneguei o facto de ter sido eu que a cravei. Algumas das minhas conquistas e cumes alcançados podem ter-me acontecido ou foram esquinas que dobrei inadvertidamente, mas nunca me considerei vítima desses acontecimentos e sim o Homem do Leme que navega por entre borrascas ou mares plácidos.
Esta minha filha de 2 anos e 4 meses é o meu sucesso e o mais belo poema que escrevi.
Esta privação de duas semanas foi somente a constatação de algo que já sabia evidente.

14/02/2008

Namuradus


A representação antropológica dos namoros da cultura tradicional.
Também já fiz um trabalho sobre os Lenços de Namorados há uns anos atrás. Mas isso foi antes da fama comercial que alcançaram actualmente.
É salutar e importante que esta tradição perdure, ainda que não seja pelos objectivos originais e que seja para fins mais comerciais.
Eu também sei fazer uma rima à Lenços de Namorados… A ver se fica bem:

Meu curação é um ninhu / falta um beijo teu / pra nosso Amor buar

13/02/2008

Balde de Água Fria

Pois é D. Piedade!
Mas, há tanto tempo a viver neste país já devia estar habituada a estas medidas que são sempre informativas e nunca legislativas para as acções das grandes empresas.

12/02/2008

Amy ganha Grammys no R.U.


Afinal (como já se sabia) os argumentistas não boicotaram a realização da 50ª edição dos Grammys; no entanto, para abrilhantar o espectáculo, o Governo dos EUA impediu a entrada no país da grande vencedora, Amy Winehouse, devido ao seu “lude behavior”. Enfim, a manifestação mediática de comportamentos excessivos na repressão que já existe na arraia-miúda, mas que não é tão divulgada.
Amy Winehouse ganhou 5 grafonolas e o galardão máximo foi para o excelente Herbie Hancock. Foi colírio auditivo face à hegemonia do hip-hop/rap na música contemporânea.
Claro que a grande maioria dos prémios – se o júri fosse o Dr. Maus Fígados – teriam sido para os The Arcade Fire e o seu magnífico “Neon Bible”.
De qualquer das formas, Amy Winehouse, que se apresenta como uma Dinah Washington do Séc. XXI, revela uma trilha sonora atraente e num timbre sensual. Dentro da oferta do mainstream musical foram umas grafonolas bem ofertadas.

11/02/2008

Porque hoje é Segunda-feira…

…e os últimos dias têm sido pessoalmente desanimadores com gritos mentais e abandono de convicções emocionais, desta forma consumindo a minha possibilidade de postar (do verbo Posting) no blog [pausa para recuperar fôlego] vou assim de rajada, comentar as Últimas.



42 municípios do continente vão baixar o IRS aos munícipes
Iúpiii!!! (Sim, eu sei que o termo é piroso) Vivo num país onde o Salário Mínimo Nacional é de €403; a carcaça de pão é a 11 cênt; fecham-se SAP’s sem haver serviços de Emergência a funcionar; mas já posso mudar de residência para uma localidade que vai baixar o meu IRS porque no futuro vai deixar de ter escolas que possam ensinar os meus filhos.

ASAE apanhou 50 toneladas de carne estragada
Não entendo o mediatismo a todas e mais algumas das acções promovidas/impostas pela ASAE.
Não quero ter a mania da Teoria da Conspiração mas por vezes parece-me que circulam interesses secundários nesta enxurrada de notícias.
Será a Imprensa a servir de títere a movimentações políticas de substituição.
Será a própria ASAE, com sua pose de instituição governamental musculada a servir de simulacro a uma Stasi portuguesa, a dizer: “Chegámos! Somos o novo Padrinho!”.

Auditoria interna a mais 69 processos urbanísticos
Claro, nada como fiscalizar depois da construção já estar concluída. Melhor que isto, só o Edifício Coutinho!

Timor: uma cronologia sem lógica dos atentados
Nada a acrescentar excepto a inevitabilidade para um governo imposto por interesses externos ao país e a prova em como a instabilidade (nos povos ditos do Terceiro Mundo) andar de mão dada com a existência de ricos recursos naturais.

08/02/2008

Imagens de 2008

O Medo











Eu próprio também já conhecia a fúria das ondas da Praia do Norte na Nazaré; tanto que é das poucas praias nacionais que nunca me aventurei adentrar, tal é o respeito que tenho pela sua imprevisibilidade.


A Audácia








Foi num documentário algo antigo que vi num vídeo universitário que conheci pela primeira o bungge jumping original que já há muito se realiza no Pacífico Sul.
Esta tradição rudimentar de Vanuatu, o Naghol, assente em estacas de madeira que erguem torres de quase 25 metros das quais, anciões audazes em perdurar o ritual e neófitos em Ritual de Passagem, mergulham na Eternidade e chocam, num gáudio comunitário, de contra a terra dura da qual brotou o seu Povo.

World Press Photo 2008

05/02/2008

O Hipócrita


Remoendo o seu torpor
o hipócrita tatua cinismo na sua respiração
A mentira partilha a sua alcova
como um manto agradável de agrado aos transeuntes
aos quais mendiga atenção
O hipócrita não gere provocações
antes partilha-as
convenientemente
pelos seus interlocutores opostos
O hipócrita é um feio Haiku
centro vazio de nenhum nada
expectante do cântaro
que irá encher seu vasilhame furado
O hipócrita não é filho
e pai é
por acto falhado
trilha esse trajecto
com o receio que descubram
que é mamífero sem ter sido amamentado
A desculpa da sua condição
é pessoal e reconfortante
justifica-o
e é o passo atrás de passo
filmado pela audiência embasbacada
O hipócrita é na realidade um medroso
um fiel desalinhado das convicções
preso no amor incerto de si próprio
forçado a trair-se
enquanto criança
para não desiludir o espelho refractário
daquele que é na infância futura
Oh que lástima
o carinho que demonstra
num teatro tão realista
que ele próprio é iludido
se é ficção ou intimidade
O hipócrita não nasceu
cresceu na ignorância de si mesmo
e
quando se apercebeu
já era uma refeição

Um Carnaval Português

Eu nunca fui grande fã do Carnaval. Talvez porque a sua folia e o seu brasileirismo sejam qualidades algo avessas à minha personalidade.
Quando tirei o curso de Antropologia ganhei um pouco a admiração pelas representações tradicionais das comemorações do Carnaval pelas comunidades em Portugal. Uma ocasião repleta de fortes casos de Zé-pereiras que fazem barulho pelas ruas abaixo; os Gigantones aos pulos; os Caretos e os seus badalos atrevidos de Podence; as máscaras em madeira esculpida em Lazarim. Gostei de conhecer as suas cores garridas perfeitamente adaptadas ao nosso clima carnavalesco.







Isto antes das Invasões Brasileiras inocularem o Carnaval português de samba e pagode. Apesar de não fazer o meu género cultural, está desajustado da realidade da nossa tradição. Claro que são os povos que fazem, constroem, fabricam a tradição e a sua cultura. E essa troca carnavalesca também aconteceu de Portugal para o Brasil como é normal de acontecer nas trocas culturais entre povos.
Mas, apraz-me mais a visão de um Careto de contra um céu cinzento carregado de humidade.

03/02/2008

A Vida é Feita de Pequenos Nadas (e Grandes Cataclimas)

Pequenos Nadas que se sucedem, uns atrás dos outros que, em conjunto, formam uma História de Vida.
E nós, comuns mortais, habituados que estamos a estes pequenos Nadas, feitos de sensações comuns e emoções calmas, quando somos confrontados com Grandes distúrbios na ordem natural das coisas, na rotina dos pequenos Nadas, ressentimo-nos quase de imediato e reagimos violentamente.
Reagimos com depressões, com raiva e fúria. Revoltamo-nos com cisões, com uniões e reuniões. Podemos aparentar padecimento e resignação mas, cá dentro, no interior, está a ocorrer uma alteração voraz, uma adaptação ao cataclismo que sucedeu nas vidas dos incautos mortais.

02/02/2008

Ausência

Ontem tive de ir ao Hospital. Estou com uma infecção.
Não quer entrar em pormenores mas é bastante incómoda. Não somente por diminuir as minhas capacidades físicas mas porque deu azo a alguns mal-entendidos entre mim a minha mulher; questões, talvez menos claras, que me chatearam pelo que é dito sem pensar.
Ela é bela. Não o duvido. Ela é quem está a meu lado. Sempre. Mesmo assim não gostei de ouvir o que ontem saiu da sua boca.

Hoje a minha filha foi para Lisboa para passar uma semana com os avós.
Como na 2ª e 3ª Feira de Carnaval o infantário está fechado e não temos com quem a deixar, vai passar essa semana com os meus pais.
Vai ser uma semana de grande privação para mim.
Como toda a minha rotina, todos os passos do dia-a-dia são elaborados tendo em conta a sua existência, a sua presença, vou sentir uma grande falha no decorrer do dia – principalmente no seu final, quando passo cada minuto com ela e a mãe.
Ainda há pouco, quando partiu no carro com os avós, ela ficou a olhar por cima da sua cadeirinha a ver-me ficar, quedo no passeio, deu-me logo a saudade. Quando entrei em casa, quis logo telefonar aos meus pais para saber o que se tinha passado naqueles 10 minutos de intervalo.
Já passaram quase 3 horas… Vou ligar-lhes!

Escrivão no Escuro


Eu também posso ser um escrivão no escuro
O breu pode cercar-me
apertar-me o pescoço
comprimir-me o ventre de contra o chão gélido e húmido
mas eu mantenho a fé
de escrever no escuro
As hostes erguem-se
para me vilipendiar
A gonorreia pode penetrar o sossego do meu lar
e as pústulas contrair meus membros a secar
num deserto de luz a minha pena permanece a dissertar
o monólogo longínquo do seu final
A memória futura
advém do abismo primordial
no olvido do Passado
duma criança parida
emparelhada do ninho de onde emergiu
Fotos e os seus flashes
aqui não fazem a sua chamada
pois a imagem desapareceu
e somente o curto esgar
o murmurar de uma caneta a um canto
que persiste em rabiscar
É o meu colo
o sentimento de te privar de mim
o meu rebento
a minha paixão
Eu sou o escrivão no escuro da tua ausência
das tuas pernas pequenitas
a cutucar os corredores desta felicidade enxertada
Eu faço o Braille dos teus contornos
a minha semente foragida
parto lápis e lápis
aparas atrás de aparas
pois eu prossigo em ser
este escrivão no escuro
cuja caligrafia continua
em ti
minha nascente
o estandarte do meu sangue
o meu livro em crescendo
cuja existência impede o pó de assentar

01/02/2008

Iniciação a David Lynch

"The beginning is a very delicate time" é a assim que começa Dune, um dos – dizem – filmes menores de David Lynch.
Foi também assim que começou o meu gosto e fascínio pela a sua filmografia.
Tempos houve em que a minha obsessão era tal que conhecia as falas dos seus filmes.
Tudo começou, como referi no início, de forma delicada com o mais delico-doce dos seus filmes: Dune. O qual considero uma excelente adaptação da obra de Frank Herbert; enquanto que a repetição de imagens mentais e das vozes mentais que povoam o filme são um pormenor excelente.











Este como porta de entrada para toda a filmografia que depois decidi consumir fervorosamente.
A bizarria e sensualidade nos seus filmes nunca me incomodaram ou foram de difícil digestão; no inverso, passou a surpreender-me (mesmo que pela positiva) quando filmava uma temática mais normal como foi o caso do Straight Story.
No entanto, e apesar de ser um Lynch para consumo generalizado – se tivermos em conta a restante obra – continuo a achar o Wild At Heart, não só um dos melhores que fez como está no pedestal de um dos filmes que mais gostei no geral.












Perhaps you’d imagine Toto from the Wizard of Oz… But I tell you: my Dog is always with me. OUFF!

The Dark Side of Mercury